Vale a pena abrir uma fábrica de software?
Depois de 5 anos de experiência nessa área, eu tenho uma opinião que talvez te surpreenda
👋🏼 Bem vindo a edição de número #38 da Newsletter do Moa.
⚠️ Antes de começarmos, um breve recado: Me ajude a produzir um conteúdo cada vez mais relevante. Separe alguns poucos minutinhos e toque aqui para responder algumas perguntas. 🙏🏼 (se você tentou responder semanas atrás, tente novamente, por favor. Descobri ontem que o bot estava quebrado 🫣)
Criar um SaaS está na moda. Não sei se foi por causa do avanço das tecnologias low code, ou se foi devido a retração econômica que motivou infinitos lay-offs no setor de tecnologia. O que sei é que eu nunca vi tanto programador interessado em construir seu próprio SaaS.
Eu acho isso ótimo. Inclusive eu sou um desses programadores que decidiu criar um SaaS. Só que SaaS não é a única forma de se empreender sendo programador.
Durante 5 anos eu ganhei a vida comandando uma fábrica de software. Na edição de hoje da Newsletter do Moa eu resolvi contar um pouco da história da Codevance e dizer o que eu penso sobre ganhar dinheiro com o modelo fábrica de software.
A história da Codevance
Eu escrevi a minha primeira linha de código com 11 anos de idade. Mas, o fascínio pelo computador veio muito antes. Antes de saber ler eu já sabia fuçar naquele computador velho que meu pai tinha em casa.
Desde a primeira linha de código eu nunca mais parei. Foram madrugadas adentro (que era quando não se pagava para acessar a internet) fuçando em fóruns de programação e me embrenhando por esse mundo que eu achava simplesmente mágico.
A primeira vez que eu tentei transformar esta paixão em sustento foi lá pelos meus 14 anos de idade. Me lembro que, diante de uma das inúmeras crises financeiras que vivíamos em casa, eu decidi que começaria a vender sites para complementar a renda.
Depois de uma noite inteira de trabalho, eu coloquei no ar uma página onde oferecia meus serviços. Eu cobrava pela quantidade de páginas. Algo em torno de R$ 10 por página. Não consegui nenhum cliente (até porque não sabia como vender).
Depois, mais velho e já trabalhando profissionalmente como programador, me juntei com mais três amigos e "lançamos" uma agência de criação de sites, a Mexx! Eram dois no comercial, um responsável pelo design e eu responsável pela programação.
Operamos durante um pouco mais de um ano e fizemos algumas vendas. Fuçando os meus arquivos, encontrei a planilha de fluxo de caixa. Foram R$ 12k de faturamento, que, corrigidos para os dias de hoje, seria algo perto de R$ 30k. Nada mal para um bando de moleques.
(Inclusive, tenho uma história bem legal sobre essa empreitada que envolve o calote de um cantor bem famoso participante de um grande reality show 👀. Qualquer dia escrevo sobre isso.)
Depois do término da Mexx e de gastar todo o dinheiro que ganhei em um reveillon inesquecível em Florianópolis, eu segui fazendo freelas.
Até que, com 23 anos e de saco cheio de onde eu estava trabalhando, resolvi tomar coragem e largar tudo para viver do empreendedorismo. A conta era simples: se eu fizesse pelo menos um projeto em Wordpress por mês eu conseguiria equiparar meu salário. O Instaplay seguiria sendo meu side job.
Fazia sentido. Tanto que eu vivi, majoritariamente de freelas, até os meus 26 anos de idade. Volta e meia eu ficava um pouco mais "fixo" em algum cliente. Em uma dessas vezes, inclusive, ganhei um bom dinheiro. Numa dessas ocasiões, um freela acabou virando uma posição de liderança em uma startup, lá em 2017.
Esse lampejo CLT durou pouco. Em menos de 6 meses eu já sabia que não era aquilo que eu queria para a minha vida. Só que também já fazia tempo que não estava muito satisfeito com a vida anterior, de freelancer. A saída foi profissionalizar meus trabalhos e fundar uma fábrica de software: a Codevance.
Eu tinha planos bem ambiciosos. Eu queria desenvolver projetos internos, alocar desenvolvedores nossos em projetos de clientes e também prestar serviços de consultoria.
Fiz isso muito inspirado por alguns fornecedores que havia conhecido na última empresa em que trabalhei. Quando vi que o dono da empresa só aparecia por lá 1x/mês para passar a régua na conta e emitir uma fatura de dezenas de milhares de reais pelo serviço de alocação de programadores, fiquei perplexo. Eu também queria ganhar um "dinheiro fácil" daqueles. Obviamente eu estava inocentemente iludido.
Depois de alguns meses de trabalho em que eu era o único funcionário da Codevance, apareceu nosso primeiro grande cliente. Um contrato de mais de R$ 100k para entregar o novo milestone de um aplicativo mobile. Mesmo sem nunca ter aberto o Android Studio na minha vida, eu tinha plena certeza que conseguiria entregar o projeto. Então contratei alguns devs, criei uma rotina de gest ão e comecei a trabalhar.
Alguns meses depois, o projeto estava completamente de pernas para o ar. O codebase era muito ruim e difícil de trabalhar. Estávamos muito atrasados. O escopo mudava a cada semana e o cliente estava completamente insatisfeito.
Depois de muito stress, noites mal dormidas, um medo absurdo de ser processado e um belo prejuízo, eu consegui "entregar" o projeto. Essa experiência foi praticamente um MBA sobre como não tocar um projeto de software.
Digo que foi um MBA porque eu aprendi muito. Todas essas adversidades me ensinaram muito sobre o trabalho de uma fábrica de software. E o melhor: ensinaram da forma mais dolorida possível. O trauma é um ótimo professor.
Aprendi tanto que, dali para frente, a empresa decolou. Conforme o tempo foi passando eu consegui bons projetos. Consegui, também, bons contratos de alocação de recursos. Inclusive, de fato era bem "mais fácil" ganhar dinheiro alocando programadores em times externos do que assumindo o desenvolvimento do projeto dentro de casa.
O faturamento da Codevance crescia ano a ano, até que, em 2020, atingimos nosso recorde. A pandemia e a consequente digitalização do mundo nos trouxe muitos projetos e fez com que a gente ganhasse muito dinheiro naquele ano.
Porém, essa mesma digitalização deu início a nossa derrocada como time. O aumento mundial na demanda por programadores inflou os salários. Perdemos completamente o poder de competitividade.
O home office e a possibilidade do programador brasileiro trabalhar para qualquer lugar do mundo foi a cereja do bolo. Um time que um dia teve mais de 10 pessoas, foi completamente desmantelado. Para você ter uma ideia: um programador que trabalhava com a gente ganhava R$ 6k e, literalmente do dia para a noite, pulou para um salário de R$ 16k.
A situação ficou tão precária que chegamos a ficar apenas eu e o Ronaldo no time. Eu, que estava dando expediente principalmente na DevPro, precisei me desdobrar e trabalhar nas duas empresas.
A partir daí ficou muito difícil manter o plano inicial. Até então, estávamos construindo um time com boa capacidade técnica e um alto nível de aculturamento. A empresa estava indo bem. De repente, perdemos todo o time e ficou absurdamente difícil trazer gente boa com um custo acessível.
Sem a confiança de conseguir montar um bom time, eu tinha medo de prospectar novos clientes. E se eu trouxesse um ótimo cliente e não conseguisse entregar o projeto? Eu já tinha visto esse filme antes.
Acabei ficando com um problema de "o ovo e a galinha". Sem um time formado, eu não conseguia trazer novos clientes. Sem novos clientes, eu não tinha dinheiro para formar um time.
Até que, em 2021, eu decidi, oficialmente, que não queria mais comandar uma fábrica de software. O plano era treinar o Ronaldo, meu sócio, para assumir 100% da operação. Meu dia a dia seria na DevPro e eu atuaria somente como um conselheiro na Codevance.
Porém, nesse meio tempo eu decidi sair da DevPro. Diante desse imprevisto, tracei um novo plano: criar um SaaS e migrar a equipe da Codevance para este novo projeto. Esse plano deu certo. O SaaS que criamos foi o Tintim.
Já na metade de 2023 conseguimos crescer o Tintim o suficiente para sustentar a empresa e nos permitir migrar o time. Exceto por algumas consultorias pontuais, o Tintim é responsável por praticamente todo o faturamento da empresa.
Os prós e os contras do modelo Fábrica de Software
Se você é leitor desta newsletter, imagino que você seja um programador que esteja de saco cheio de onde trabalha. Ou então, você não trabalha com programação mas já enxergou o potencial desse mercado. Resumindo: você é uma pessoa com algum interesse por tecnologia e empreendedorismo.
Uma das formas de se empreender com tecnologia é através do modelo de fábrica de software. Essa talvez seja uma das evoluções mais naturais para um programador que deseja se tornar empreendedor.
A jornada de criação de um SaaS é muito mais complexa. A parte mais fácil de uma empresa que vende SaaS é a programação. O grande desafio do SaaS é encontrar um problema real para ser resolvido e, então, encontrar uma forma economicamente viável de resolver esse problema.
Com uma fábrica de software você não tem esse problema. Esse problema é do seu cliente. Você acaba ficando com a parte "mais fácil", que é desenvolver o produto. Tudo isso, claro, sob as orientações do seu cliente.
A minha própria trajetória como empreendedor mostra o quão "simples" é esse caminho. Você pode começar como freelancer e como um side job. Se você fizer um trabalho de qualidade de forma consistente, e deixar o tempo passar, o crescimento vai acontecer naturalmente.
Em uma fábrica de software pequena você pode se dar ao luxo de não pensar em marketing e vendas e depender somente do boca a boca para conseguir clientes. Com a Codevance sempre foi assim.
Outra vantagem do modelo de negócios de fábrica de software é que dá para ganhar um bom volume de dinheiro bem rápido. Boa parte do meu patrimônio foi construído com o lucro da Codevance. Enquanto o Tintim dava prejuízo, foi o lucro dos projetos da fábrica que sustentou a empresa.
A minha margem de lucro na Codevance sempre foi perto de 50%. O custo era somente folha salarial. O volume de imposto é baixo, pois a grande maioria dos programadores não se importam (e até preferem) trabalhar com contratação PJ, ao invés de CLT. Fábrica de software é uma máquina de fazer dinheiro.
Além do mais, existem outras vantagens menores, porém importantes. Devido a grande quantidade de projetos, você conhece vários mercados e vários modelos de negócio. Você aprende habilidades interpessoais na marra, como negociação, contratação, liderança, gestão, etc.
Na marra, também, você é forjado como desenvolvedor de software e gestor de projetos. Isso porque, via de regra, os projetos de fábrica de software são "de segunda linha". Os projetos filés são tocados por times internos. A fábrica fica com o "resto".
Qual o grande problema desse modelo? O teto é baixo. Bem baixo.
Certa vez, num almoço com o meu amigo André Almar, ele me disse uma frase que nunca vou esquecer: "não existe consultoria de software média. Ou é uma empresa pequena, como a Codevance, ou é uma empresa gigante, como uma Accenture da vida". Ele tem razão.
Enquanto o jogo da fábrica de software pequena é desenvolver software de qualidade, o jogo da fábrica de software grande é saber contratar e treinar programadores. Para jogar esse jogo é preciso de bastante dinheiro.
No cenário atual, é praticamente impossível contratar bons programadores já formados. O grande incentivo para esse cara é ir trabalhar para a gringa ganhando em dólar e 5x o salário que ele ganharia trabalhando para o Brasil. Nesse caso, a alternativa é contratar programadores iniciantes e formá-los, até que estejam preparados para atuar. Isso custa tempo e dinheiro.
Outro fator que joga contra são os longos ciclos de venda. Devido a essa demora para fechar novos contratos, fica muito difícil casar a disponibilidade de programadores com a entrada de novos clientes. Você vive uma eterna corda bamba onde, se vende muito, corre o risco de não entregar e, se vende pouco, corre o risco de tomar prejuízo.
Vale a pena ter uma fábrica de software?
Diante de todos esses fatores, a resposta para essa pergunta é: depende.
Se a sua grande paixão é desenvolver software, acredito que o melhor caminho seja esquecer o empreendedorismo e seguir empregado. Os incentivos para esse caminho são enormes.
Com um inglês minimamente aceitável e um bom nível de qualidade técnica, você consegue prestar serviços para empresas gringas e alcançar salários altíssimos para o padrão de vida brasileiro. Tenho vários amigos ganhando na faixa de R$ 50k/mês. Alguns desconfio estar próximo dos R$ 100k de rendimento. Isso é salário de jogador de futebol de série A.
Agora, se você é apaixonado por desenvolver software mas também é apaixonado por sua autonomia, o caminho da butique de software (uma fábrica pequena) pode fazer sentido.
Conforme você desenvolver sua autoridade, você terá acesso a projetos bacanas que pagarão bem. Você terá muito mais autonomia que um empregado (muito mais dor de cabeça também, diga-se de passagem). Se você prestar serviço para a gringa, você ganhará muito mais dinheiro que um empregado. A única desvantagem é o teto baixo, que comentei acima.
Agora, se você quer ganhar MUITO dinheiro, acredito que o melhor caminho seja criar um SaaS. O caminho será MUITO mais difícil. Você precisará se desenvolver MUITO mais em áreas que você nem imagina que existam. Ainda assim, o risco será MUITO alto e as probabilidades estão contra você.
Você vai demorar para rampar, mas, quando (e se) conseguir decolar, a empresa passa a rodar em "velocidade de cruzeiro" (coloco esse termo entre muitas aspas porque nunca você terá uma vida tranquila sendo empresário, principalmente no Brasil).
Em determinado momento o seu foco será muito mais em vender do que em desenvolver o software. Aqui está a grande chance de se ganhar muito dinheiro.
E aí, qual caminho você prefere? Conta pra mim nos comentários.
Saiu mais um episódio do Podcast De/Para!
No episódio dessa semana, eu discuti com o Rodrigo a importância de ajustar sua mentalidade caso queira ser um empreendedor. O papo ficou muito bom!
🎧 Toque aqui para ouvir o ep. #03: Mentalidade do Empreendedor e sua Importância
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Como foi a minha semana?
🏋🏻♀️ Pratiquei 5 dias de exercício físico e completei 21 dos 250 dias da meta do ano.
📚 Estudei 5 dias e completei 14 dos 200 dias da meta do ano.
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O que eu estou lendo:
📚 O Jogo Interior do Tênis por W. Timothy Gallwey
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O que eu consumi que gostei e recomendo?
📝 Um artigo super interessante que te ensina, de maneira prática e ilustrativa, a fazer um pitch que vende.
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🫡 Esta foi mais uma edição da Newsletter do Moa.
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👊🏼 O meu objetivo com essa newsletter é ajudar profissionais de tecnologia que desejam desenvolver uma visão mais estratégica.
Além disso, pretendo também compartilhar outras coisas, como um pouco dos bastidores da construção de um negócio SaaS, as minhas opiniões e meus aprendizados.
A ideia geral é ser uma documentação pública e estruturada dos meus pensamentos e aprendizados ao longo dos anos.
Portanto, se você se interessa por soft-skill, desenvolvimento pessoal, empreendedorismo e opiniões relativamente polêmicas, sugiro que você se inscreva para receber as próximas edições. ⬇️
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Muito bom o texto! Fiquei curioso aqui porque essa coisa de prestação de serviço se assemelha com muitos negócios tradicionais tipo escritório de advocacia, consultório médico/dentista, psicólogo
etc. Como você conseguia clientes na fábrica de software? Você mencionou boca a boca, mas como foram os primeiros clientes? Tinha alguma coisa que fazia para incentivar isso? Tinha um tipo de cliente ideal ou canal ideal? Abraços!