O segredo para não perder seu emprego para o ChatGPT
Em tempos de inteligência artificial, qual o papel do programador?
👋🏼 Bem vindo a edição de número #33 da newsletter do Moa.
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Inteligência artificial é o assunto da moda. ChatGPT, Bart, Dall-E, Midjourney e mais outras dezenas de aplicações estão em alta. Todas elas, com a habilidade de produzir de forma semelhante a um humano.
Muitas pessoas estão empolgadas. Outras estão muito assustadas. Sem dúvidas a inteligência artificial vai roubar empregos.
Será que ela vai ter capacidade de roubar o seu emprego de programador?
Na edição de hoje da Newsletter do Moa eu resolvi falar sobre o papel do programador.
Vamos lá?
O fascínio pelo "como"
A primeira vez que eu vi um computador na vida foi com 5 anos de idade. Meu pai trabalhava como vendedor e recebeu um computador usado como pagamento de parte da sua comissão de vendas. Acredito que isso foi em 1996.
Não sei se essa foi uma atitude conscientemente visionária, ou se ele simplesmente não tinha muita opção. Só sei que, com certeza, esse foi o embrião que deu origem a toda a minha trajetória profissional (e muito da pessoal também).
Foi amor à primeira vista. Quando eu vi aquela máquina pela primeira vez, eu fiquei simplesmente maravilhado. Me lembro também que eu adorava as "aulas de informática" na escolinha de educação infantil em que eu estudava. Me lembro de alguns softwares educativos. Lembro de ficar desenhando no Paintbrush. Eu adorava.
O computador ficava na casa do meu pai (meus pais são divorciados desde que me conheço por gente) e eu passava a semana contando os dias para ir mexer no computador no final de semana. Passava horas simplesmente fuçando e explorando todas as novidades que podia encontrar naquele Windows 95.
Lembro, inclusive, que certa vez, no intuito de ajudar meu pai, resolvi "liberar espaço em disco", para poder aumentar a velocidade daquela máquina que já cambaleava. Eu tinha ouvido algum adulto dizer que aqueles arquivos que não abriam com nenhum programa não serviam de nada. Portanto, de forma muito inteligente, eu resolvi abrir o "Explorar", listar todos esses arquivos e apagá-los. Apaguei todos aqueles .dll, .sys e .ini que tinham dentro do system32. Resultado: acabei com o sistema operacional e meu pai teve que gastar uma grana para mandar formatar e recuperar os arquivos pessoais.
Mas, salvo exceções, minhas aventuras pelo computador eram inocentes e saudáveis. Eu lembro de "criar" provas de matemática e português no Word. Lembro de criar o chaveamento do campeonato de futebol de botão que fazia com o meu vizinho. Como toda criança, a imaginação fluía imitando comportamentos adultos.
Lembro também que, certa vez, em algum cartório ou agência do INSS, eu vi, na tela do computador da atendente, um Excel meio diferente. Ele tinha palavras no lugar de letras, como cabeçalho das colunas. Quando vi aquilo fiquei maluco. A única coisa que eu pensava era em descobrir como fazia aquilo. Passei o próximo final de semana fuçando em cada uma das opções do menu do Excel. Não consegui encontrar. Talvez aquilo não era um Excel, e sim um Access. Enfim…
Desde muito pequeno essa curiosidade tecnológica de saber como as coisas eram feitas sempre tomou conta de mim. Até que, com 11 anos, eu descobri que os meus amigos de 12 anos, que estavam na 6a série, estavam tendo aulas de programação.
Isso era comecinho dos anos 2000. Um professor de história, completamente visionário e revolucionário, resolveu gastar uma de suas 3 míseras aulas semanais para ensinar para a criançada como produzir páginas para essa tal de Internet. Esse fato, com certeza, foi um dos maiores incentivadores da minha vida na tecnologia. Sou muito grato ao professor Pedro.
Acontece que, aos 11 anos, eu estava na quinta série. As aulas de Internet só aconteciam na sexta série. Eu tinha um ano de ansiedade pela frente. Obviamente, eu não consegui esperar e já fui me adiantando. Aprendi muita coisa simplesmente fuçando no Cadê, site de buscas da época.
Depois de ler muitos tutoriais, muitos deles no ainda vivo Webmasters Online, eu consegui fazer o meu primeiro site. Era um site hospedado no extinto provedor Kit.net, um dos melhores grátis da época. Era um site de variedades, com gifs animados, frases motivacionais, códigos pronto em Javascript e Java Applet, e também dicas de videogames. Tudo copiado de outros sites.
Me lembro como se fosse hoje a satisfação de publicar aquele site, todo feito com frame e HTML puro. Lembro, inclusive, que coloquei um contador de visitas no menu lateral e aquele contador simplesmente disparou, vai saber o porquê. Fiquei todo feliz acreditando, piamente, que meu site, logo no momento de sua publicação, havia recebido mais de 5.000 visitas. Bons tempos…
Fazendo essa breve retrospectiva, eu percebo que sempre fui fascinado por saber como as coisas eram construídas. Também sempre fui fascinado por construir coisas. Já comentei isso aqui outras vezes. Com uma chave de fenda na mão, eu desmontei praticamente todos os meus brinquedos.
Fazia isso enquanto não tinha um computador em casa. Até que, aos 13 anos, meus pais conseguiram fazer um esforço e me surpreender com um Intel Celeron de segunda mão. Dali pra frente, eu larguei a chave de fenda e me dediquei às aventuras virtuais.
Lembro de um colega de escola, um pouco mais velho, que conheci na aula de futebol e que tinha um site de sucesso. Tinha mais de mil visitas/mês, com certeza. Era um site dedicado a Dragon Ball. Tipo uma Wikipédia sobre o assunto. Ele próprio fazia a curadoria e manutenção.
Além disso, ele fazia um lance que eu achava animal: com uma placa de captura, ele gravava os episódios do Dragon Ball GT que passavam no Cartoon Network e disponibilizava de graça, em alta qualidade, em seu site. Um baita serviço à comunidade (nunca imaginei que aquilo era pirataria rs).
Olhando para projetos como esse, eu só pensava em uma coisa: vou fazer um igual. Do início ao fim da minha adolescência eu fiz todos os tipos de site possíveis. Blog, sites sobre animes, sites de tutoriais de Photoshop, site de tutoriais de videogame, de Tibia…
Todos muito bem feitos, mas todos um fracasso de audiência. Hoje em dia eu entendo o porquê.
Produto bom NÃO se vende sozinho
Esse meu fascínio por computador e pela internet era algo incomum. Pouquíssimas pessoas do meu círculo social tinham esse nível de curiosidade e, por consequência, de conhecimento sobre o assunto (para ser sincero, me lembro somente desse colega dono do site de Dragon Ball).
Dotado desse "dom" exclusivo, eu sempre ouvia dos adultos que fazer o que eu fazia era muito difícil e, por isso, eu era muito inteligente. Eu, inocentemente, acreditava.
De fato, não era trivial saber o que eu sabia. Mas eu estava longe de ser um gênio. Eu só era muito curioso, beirando a obsessão, com um assunto que a grande maioria das pessoas não se interessavam.
Mas, por causa desse sentimento de que "eu sei fazer algo muito difícil", eu sempre parti do pressuposto de que a parte mais complexa em projetos tecnológicos era a sua construção.
Se estamos falando de deep tech, que dependem de altos investimentos e um trabalho intenso de pesquisa e desenvolvimento, essa linha de raciocínio até que faz sentido. Agora, um site em Flash feito por um adolescente do subúrbio de São Paulo que leu meia dúzia de tutoriais, aí não.
Durante bons anos da minha vida (diria que uns 15) eu mantive essa mentalidade equivocada de que bastava a construção para alcançar o sucesso. Por pensar assim, tudo o que eu via que estava fazendo sucesso e eu tinha capacidade de replicar, eu replicava. Fiz isso com site de anime, site de variedades, blogs, etc.
Lembro que o modus operandi era sempre muito parecido. Eu trabalhava incessantemente em busca do sucesso. Depois de algumas semanas publicando novas funcionalidades em companhia das moscas, eu acabava me deparando com "algo mais interessante" e recomeçava o processo. A clássica "Síndrome do Objeto Dourado".
Esse comportamento começou na adolescência e se manteve durante boa parte da minha vida adulta. Ele aconteceu desde pequenos projetos até tentativas, de fato, de empreendedorismo.
Com uns 22 anos de idade eu fui contratado para desenvolver um sistema de agendamento para consultas médicas em um laboratório de medicina ocupacional. Desenvolvi, coloquei para rodar e acabou funcionando muito bem. Diante desse sucesso, peguei esse sistema, que havia sido muito bem construído, e decidi vender para outros players. Totalmente sem sucesso.
Um tempo depois, eu fui contratado para terminar de desenvolver um sistema de automação de processos administrativos de um laboratório. Terminei, publiquei e o sistema funcionou bem. Então, tentei o mesmo movimento de oferecer o sistema para outros players. Zero sucesso.
Algum tempo depois vi um sistema de automação de Instagram que automatizava o engajamento com outras contas e, por consequência, aumentava o número de seguidores. Fiquei fascinado. Tentei copiar, mas não consegui. Então, decidi avançar por outra via. Encontrei uma solução alternativa gringa que o software era todo feito baseado em APIs. Fiz um wrapper para a API, desenvolvi uma marca e comecei a vender. Sem sucesso também.
Engraçado que, anos depois, eu conheci o dono do software que me inspirou. Ele, de fato, ganhou muito dinheiro com o projeto. E também deixou claro que o grande diferencial da estratégia estava no marketing, não no produto.
Algum tempo depois repeti o mesmo movimento, mas agora com um site de compra de seguidores para redes sociais. Eu encontrei um marketplace russo que vendia esses serviços e disponibilizava uma API. Fiz um site que automatizava o processo de compra usando essa API e botei pra rodar. De novo, sem sucesso.
Meu primeiro projeto que deu certo, como empreendedor, foi a DevPro. Não à toa, foi o primeiro projeto em que o meu foco principal estava no marketing, e não no produto (o Renzo, meu sócio, que cuidava dessa parte).
Eu fiquei, literalmente, anos dando voltas e voltas tentando emplacar um projeto. Anos amargando o fracasso. Isso aconteceu porque eu demorei muito para perceber que o problema não estava na execução, mas sim na mentalidade. Eu demorei 15 anos para perceber que produto bom não se vende sozinho.
Construir produto é uma (pequena parte) do negócio
Eu sei… praticamente toda a economia mundial, atualmente, é baseada em tecnologia. O mercado que mais cresce é o mercado de tecnologia. Oras… Se todo mundo precisa de programação, logo, basta desenvolver um bom produto que o resto está resolvido, certo? Errado.
Como já disse em várias edições dessa newsletter, empreender é resolver problemas. Quando falamos de uma empresa de tecnologia, estamos falando de resolver problemas através da tecnologia. Através da programação.
Uma empresa de tecnologia é composta por diversas áreas. De forma resumida, as principais são a área de produtos, a área de marketing e vendas e a área de sucesso do cliente.
A área de produtos é a responsável por produzir a solução para o problema. A área de marketing e vendas é a responsável por fazer esse produto chegar nas mãos de quem tem o problema. A área de sucesso do cliente é a área responsável por ajudar o cliente a resolver o problema usando a solução que a área de produto desenvolveu.
Engenharia, que é a área que desenvolve o software (software = produto), é um dos times que compõem a área de produto. Em resumo, o time de produto idealiza a solução e a área de engenharia desenvolve essa solução.
Percebe o quanto de trabalho existe além da programação em uma empresa de tecnologia? Para que um produto tenha sucesso, ou seja, que ele resolva o problema de muitas pessoas, é preciso de um esforço coletivo e sincronizado entre as áreas de produto, de marketing, de vendas e de sucesso do cliente.
Existem produtos que "se vendem sozinho"? Existem. Mas eles são raríssimas exceções. Para que isso aconteça é preciso que haja uma alta demanda reprimida e uma grande precisão em construir o produto certo para resolver aquela dor. Algo dificílimo de acontecer de forma sincronizada. De novo: raríssimas exceções.
A regra para o desenvolvimento de um produto de sucesso é uma intensa sucessão de ciclos de validação de hipóteses. Isso custa tempo e dinheiro.
"Ah, mas o Dropbox cresceu no boca a boca. O Slack cresceu no boca a boca". Sim, mas não foi coincidência. O produto foi desenvolvido de forma estratégica para que ele resolvesse o problema do cliente e também criasse um efeito viral.
Desenvolvimento de software é apenas uma das partes de um trabalho muito maior. Conseguir entender isso é um dos primeiros indícios que, você, como programador, está começando a atingir a senioridade.
Infelizmente, estamos falando de uma minoria que entende isso. Quer ver só?
Eu costumo alimentar minhas redes sociais com pílulas extraídas do texto que publico aqui. No meu LinkedIn, a publicação que mais teve engajamento (tirando o post em que fui cancelado) foi este:
Foram mais de 100 comentários. Alguns corroborando com meu ponto. A grande maioria discordando. Alguns comentários, inclusive, bem incisivos e mal educados. O tom do comentário negativo era quase sempre o mesmo: "Lá vem mais um CEO de startup querendo explorar o programador".
Veja este comentário, como exemplo. “Dev escreve código e teste unitário de acordo com o requerimento". Inteligência artificial também. Talvez ainda não com a mesma precisão de um programador um pouco mais experiente. Mas é questão de tempo até que isso aconteça.
Essa postura de que o papel do dev é "escrever código de acordo com o requerimento" o limita a um simples executor de demandas. É genuino um dev querer ser apenas um executor de demandas? Sim, sem dúvidas. Mas saiba que, quanto mais mentalidade de executor de demandas, menos mentalidade estratégica.
Cada vez mais os trabalhos operacionais serão substituídos, seja por robôs, seja por mão de obra mais barata. Essa é a regra do capitalismo. Em tempos de inteligência artificial, fica cada vez mais claro que a grande habilidade do ser humano é pensar de forma criativa.
Estou lendo um livro muito bom chamado "De onde vêm as boas idéias?". Nesse livro, o autor Steven Johnson explica sete pilares comuns em ambientes que propiciam boas ideias. De forma resumida, boas ideias emergem da serendipidade, dos erros e da recombinação de conceitos existentes, mas em ambientes propícios à inovação.
Executar demandas vindas de requisitos, pura e simplesmente, te limita e afasta de uma postura criativa. De novo: quem simplesmente executa demanda é pouco estratégico.
É claro que, literalmente falando, o trabalho do programador é escrever código. A provocação do post tem como objetivo te colocar para pensar no porquê você escreve código. Para se tornar um programador acima da média, é preciso entender que o código é meio, e não fim.
Naval Ravikant diz que uma das alavancas para a riqueza, no século XXI, é a programação. Sim! Você possui uma habilidade rara e que tem o poder de gerar valor de forma exponencial. Mas, de que adianta possuir essa habilidade, se você precisa de outras pessoas te instruindo sobre como usar?
De novo: o ChatGPT é capaz de escrever código. O que o ChatGPT não é capaz de fazer é pensar de forma criativa. Ele não é capaz de resolver, sozinho, problemas de humanos. Claro… ele não é humano!
O dev que estudar marketing, estuda vendas, estuda business, estuda filosofia, comportamento humano e outras disciplinas que não são exclusivamente técnicas, tem muito mais capacidade de resolver problemas.
Uma das principais características de um bom profissional é, sem dúvidas, um vasto repertório. Estudar temas não-técnicos é o caminho para você adquirir repertório. Esse é o caminho para ir além da programação e exponencializar sua capacidade de gerar valor.
🫡 Esta foi mais uma edição da Newsletter do Moa.
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